As aplicações de design gráfico para cinema e TV foram fundamentais para a evolução do motion graphics, sobretudo pela necessidade inerente de inclusão da tipografia escrita nos projetos, interagindo com as imagens. Obviamente, desde o cinema mudo, informações de texto aparecem na imagem temporalizada, não apenas em créditos de abertura e encerramento mas também em intertítulos e textos de apoio à narrativa. E com o surgimento da TV, essa presença se acentuou, por exemplo, pelo volume crescente de spots comerciais.

Mas foi a partir dos anos 50, com as cultuadas aberturas de cinema do designer norte-americano Saul Bass, que a relação entre texto e imagem temporalizada se sofisticou e estabeleceu um novo marco no que chamo de genealogia da motion graphics. Ele é tido como o principal precursor dessa linha de trabalho,  que se desenvolveu, portanto, dos anos 1950 em diante. Por conta disso, preparamos para um post especial, inteiramente dedicado à produção e ao pensamento de Saul Bass, que muitos tratam como o verdadeiro “pai” do motion graphics.

Saul Bass (1920-1996)

De sólida formação artística, estudou com Gyorgy Kepes, que desde cedo reconheceu seu potencial e talento. Após se estabelecer em Los Angeles, Bass começou sua carreira em Hollywood projetando material impresso de divulgação de filmes. Em 1954 criou o cartaz do filme “Carmen Jones”, de Otto Preminger, e acabou sendo convidado por ele para fazer a abertura do filme. Daí em diante, praticamente não parou mais de ser chamado para essa tarefa em outras produções. Foi colaborador de Alfred Hitchcock em três de seus filmes mais importantes, e também trabalhou para Martin Scorcese e Stanley Kubrick, entre outros.

De fato, com Saul Bass, a abertura de cinema (opening titles ou title sequences, em inglês) passou a incorporar uma nova dimensão de projeto gráfico, e a transcender a mera função de informar o titulo do filme e a equipe técnica.

Bass entendia que os filmes realmente começam com o primeiro frame, e que o público devia se envolver com eles desde esse momento inicial. Os créditos de abertura, portanto, deveriam fazer parte do filme de modo orgânico,  situando e preparando o espectador, inclusive do ponto de vista dramático, para a narrativa que viria em seguida. Isso poderia se dar de vários modos, seja adiantando a atmosfera do filme, seja funcionando como um prólogo ou prelúdio e se tornando parte da história, ou mesmo atuando como uma chave hermenêutica, uma lente capaz de fazer o espectador enxergar o filme sob novas luzes.

Seus primeiros trabalhos traziam uma ênfase maior em elementos gráficos e símbolos, e tinham vinculo direto com a concepção dos projetos gráficos do material de divulgação e sua experiência anterior de designer gráfico. Aos poucos, Bass se familiarizou com a ação viva, que passou a ter maior peso em seu projetos. Suas criações também foram revolucionárias no aspecto da tipografia, que ganharam em importância visual, com design original inserido no contexto da história, movimento e transformações.Entre as várias dezenas que criou, alguns de seus créditos de abertura mais conhecidos estão em filmes como “Anatomy of a Murder” (1959), de Otto Preminger, “Vertigo” (1958), “North by Northwest” (1959), e Psycho (1960), todos de Alfred Hitchcock, que você pode assistir abaixo.

Anatomy of a murder (1959) – Otto Preming
https://vimeo.com/movietitles/saul-bass-title-sequences-hitchcock
Vertigo (1958), North by Northwest (1959) e Psycho (1960) – Alfred Hitchcock

Para você assistir a outras aberturas de Saul Bass com boa qualidade de reprodução, acesse a página especial dedicada ao designer no site Art of the Title. Você encontra mais informações sobre elas clicando aqui. Assista abaixo um vídeo sobre Saul Bass, apresentado Kyle Cooper, considerado um dos maiores especialistas em aberturas de cinema da atualidade.

The Look of Saul Bass – uma produção da TCM (produzido por Scott MacGee e editado por Gary Slawtschka) – 2004

Saiba como Saul Bass compreendia seu trabalho com aberturas de cinema em alguns trechos de depoimentos e entrevistas:

“Minha posição é a de que um filme começa com o primeiro frame e que o filme severa estar fazendo o seu trabalho já a partir desse ponto”

“Claro que cada abertura que eu fiz, eu fui responsável por toda a peça de filme… o conceito, o visual, a trilha sonora, a coisa toda. Nas filmagens, eu raramente usei o diretor de fotografia do filme, porque àquela altura, ele já estava fora da produção. Eu dirigia a fotografia para registrar qualquer ação viva envolvida”.

“A abertura ideal deve ter uma simplicidade que também traga junto uma certa ambiguidade e uma certa implicação metafísica que torna vital essa simplicidade. Se é simples simples, é chato.”

“Eu comecei lidando com as aberturas como algo que estabelecesse um “mood”, criando uma atmosfera, uma atitude e uma metáfora generalizada sobre do que tratava o filme. E configurando o subtexto do filme”

“Com o tempo, depois de criar mais e mais aberturas, eu comecei a enxergar outras oportunidades, e outras maneiras da abertura servir ao filme. Uma abertura pode atuar como um prólogo. Ela pode, na verdade, falar a você sobre o tempo de antes do filme. As vezes, na realidade, chega a se tornar parte da história.”

“Eu vejo que realmente o desafio central na atividade artística é lidar com coisas que nós já conhecemos e lidar com elas de um jeito que nos leva a reexamina-las e entende-las de um modo totalmente diferente.”

“Eu penso que a criação de uma abertura, que obviamente é um pequeno apêndice do filme, precisa ter uma abordagem conscienciosa e com algum senso de responsabilidade dentro do todo do filme – porque ela é, no fim das contas, o rabo do cachorro, e o rabo não faz o cachorro balançar.”

“O roteiro é apenas o esqueleto. Eu preciso saber como o diretor está cobrindo-o de carne, qual é o seu ponto de vista, e come ele irá articular esse roteiro (…) Meu trabalho é sempre precedido de muita muita discussão com o diretor sobre como ele vai fazer isso de modo que eu possa entender isso, ser responsivo a isso, dar suporte para isso.”

“Eu penso que o mais importante é que a introdução do filme – que é o que uma abertura é – deve ser verdadeira para com seu conteúdo e para com a sua intenção. Portanto, tem que ser criada alguma coisa que expresse isso. Precisa existir um relacionamento mais profundo para além da superfície do estilo. Se você entender o estilo como uma atitude, sim, eu tenho que me conformar ao estilo (do diretor), mas se você pensar o estilo como algo confinado ao visual, eu diria que não.”

Você pode ler o post com a primeira parte da série “Os Precursores do Motion Graphics” clicando aqui.

(post publicado originalmente no blog VideoGuru em 02 de fevereiro de 2014)

Bibliografia:

Krasner, Jon – “Motion Graphic Design and Fine Art Animation: Principles and Practice”, Focal Press – 2004

Kirkhan, Pat e Bass, Jennifer – “Saul Bass – A life in film & Design”, Laurence King – 2011

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