Quando o Final Cut Pro clássico foi descontinuado para dar lugar ao Final Cut Pro X há coisa de 3 anos atrás, muita gente achou que o compromisso da Apple com o desenvolvimento de computadores e soluções para criação de conteúdo audiovisual em nível profissional tinha chegado ao fim.
Caso isso se confirmasse, de acordo com a leitura desse pessoal, o prestígio da plataforma Mac nas aplicações profissionais para cinema e vídeo estaria ameaçado, o que levaria a uma consequente e iminente fuga de desenvolvedores e usuários para outras plataformas.
Porém nesse artigo para a centésima edição da Macmais, você vai saber que a trajetória do Macintosh e a evolução das ferramentas de video digital estão praticamente entrelaçadas, que essa história é antiga e tudo indica que ela ainda está longe de terminar.
Como tudo começou
Em 1991, a Apple lançou o QuickTime, uma inovadora arquitetura de software para multimídia em computadores de uso pessoal. Foi ele que permitiu, na mesma época, o surgimento dos primeiros sistemas de edição não-linear da Avid, que só rodavam em Mac, assim como as primeiras versões do Adobe Premiere, do Media 100, do VideoCube e de tantas outras ferramentas excepcionais.
Os elementos de extensão de sistema e a arquitetura de software do QuickTime 1.0, lançado em 1991.
Porém, mesmo com o QuickTime abafando, a Apple enfrentaria uma fase negra logo a seguir, por conta da má gestão dos que se sucederam à frente da empresa nesse período. Com a concorrência acirrada pelo sucesso da plataforma Windows PC, por volta de 1996, muitos pensaram que o sonho havia acabado e que a empresa perderia espaço ou mesmo que iria falir.
Subitamente, portanto, o futuro tornou-se sombrio para uma legião de profissionais que apostavam suas fichas na evolução do desktop vídeo na plataforma Mac.
No entanto, para sorte dessa gente, exatamente nesse momento ocorreu a volta triunfal de Steve Jobs à Apple. Ele, que havia sido traído e destituído da empresa em 1985, retornou em 1997 como grande salvador com um sistema operacional revolucionário debaixo do braço que serviria de base para o Mac OS X, e cheio de novas idéias.
Steve Jobs lança a primeira geração do iMac.
Foi então que, entre outras sacadas de gênio, Jobs resolveu tratar o vídeo digital como a nova bola da vez em termos de área estratégica para a Apple. É nesse contexto que a empresa abraça o projeto do Final Cut Pro, preparando-o para funcionar com os iMac com porta Firewire e suporte ao então recém surgido formato de vídeo digital DV.
Em abril de 1999, durante a NAB, maior feira de equipamentos para audiovisual profissional e onde a Apple vinha marcando presença, o próprio Jobs anunciou a primeira versão do FCP juntamente com o QuickTime 4.0. Em outubro, saiu o iMovie. E a pós-produção de vídeo digital nunca mais foi a mesma, com o surgimento de todo um ecossistema de hardware e software de arquitetura aberta e incrivelmente acessível, em torno das soluções da Apple.
Box do software FCP numa de suas primeiras versões.
Na sua apresentação na WWDC no ano seguinte, o mesmo em que o Mac OS X foi mostrado pela primeira vez, Steve Jobs fez a declaração definitiva: “Agora somos uma empresa de vídeo.” Era a confirmação do caminho tomado, que levou o Final Cut Pro à hegemonia no seu nicho de mercado até o final da década.
A ascensão rumo à hegemonia de mercado
O Final Cut Pro, desde seu lançamento, era vendido por US$1.000, uma pechincha, se comparado com os preços dos concorrentes considerados mais profissionais. Logo o programa da Apple, foi evoluindo e ganhando novos aplicativos para acompanhá-lo, complementando-o nas tarefas correlatas ao trabalho de edição de vídeo.
O computador Macintosh G4, que sustentou a performance do FCP no início dos anos 2000.
Os primeiros a surgirem foram o DVD Studio Pro, para autoração de DVD, e o Cinema Tools, que, usado com o FCP, favorecia a edição offline de filmes captados em película. Depois vieram o Compressor, para codificação de vídeo, o LiveType, para criação de títulos dinâmicos, e o SoundTrack, para criação de trilhas com loops musicais. Em seguida, chegou o Motion, um aplicativo de composição de imagem em movimento e efeitos visuais, pensado basicamente motion graphics.
Vale lembrar que, em 2002, a Apple havia adquirido sofisticado programa Shake, também de composição digital de imagem em movimento. O Shake, apesar de excelente, na prática, nunca chegou a estabelecer uma sinergia com o Final Cut Pro. Suas faixas de preço, modos de funcionamento e mercados não combinavam tanto assim. Tanto é assim, que seu desenvolvimento seria interrompido em 2006 ele acabaria descontinuado em 2009.
O FCP ganhou um prêmio Emmy Award de engenharia pelo seu impacto na indústria de televisão em 2002. No ano de 2003, o prestigiado montador de cinema Walter Murch foi indicado ao Oscar de Melhor Montagem com o filme “Cold Mountain”, inteiramente editado com o Final Cut Pro, a essa altura, na versão 4.0, altamente estável e robusta. Com esse filme, Murch acabou tornando-se o maior “garoto-propaganda” do FCP.
A Apple foi agrupando alguns programas em torno do FCP, e em 2006 ele parou de ser vendido separadamente. A partir de então, todos os aplicativos da área de vídeo da empresa, com excessão do Shake, passaram a ter de ser adquiridos em conjunto no pacote Final Cut Studio pelo valor de US$1.300.
A dificuldade de trabalhar com formatos de captação de vídeo com compressão temporal, muito populares entre os fabricantes de câmeras naquele momento, fez com que a Apple também criasse codecs próprios para pós-produção. Em 2007, ela lançou o Apple ProRes, projetado para trabalhar com compressão sem perda de qualidade visível e intra-frame, em substituição ao seu codec anterior Apple Intermediate Codec. A idéia era converter o material original com compressão temporal para Apple ProRes de modo a garantir mais qualidade e rapidez no processo de edição no FCP.
Com o sucesso do Final Cut Pro e toda a tecnologia em volta dele, acompanhados de cada vez melhores modelos da família Mac, a essa altura turbinados com processadores Intel, a liderança da Apple na pós-produção de vídeo digital se consolidou. A Avid e a Adobe, que antes haviam até parado de desenvolver seus programas de edição para Mac, tiveram que rever sua decisão porque o mercado todo se voltara para o hardware da Apple, e agora esse era campo de disputa.
Ilustração de artigo do site Creative Cow sobre a chegada da placa Kona SD da Aja ao mercado.
Ao longo da década de 2000, a Blackmagic Designs e a AJA se firmaram como as principais parceiras da Apple no provimento das soluções que completavam suas máquinas para poder trabalhar com os formatos e equipamentos mais profissionais e avançados no Final Cut Pro. Suas placas e dispositivos externos permitiram que os editores de FCP superassem todas as limitações técnicas para fazer rodar qualquer tipo de arquivo de vídeo com performances excepcionais.
Tudo parecia favorável e harmônico para quem escolhia o FCP como base para montar suas estruturas de edição e pós-produção. Pesquisas de mercado davam conta de que, em 2007, o programa da Apple alcançara 49% do mercado nos EUA, contra 22% para os produtos da Avid. Anos depois esse índice de liderança chegaria a 55% com mais de 2 milhes de sistemas funcionando.
O ocaso do Final Cut Pro clássico
A última versão do Final Cut Pro clássico, a 7.0, saiu em 2009. O Final Cut Studio já incluía mais um ótimo programa, o Color, para correção de cor em alto nível, e já havia também uma solução para gerenciamento de arquivos e automação de fluxo de trabalho via servidor, o Final Cut Server.
Box do Final Cut Studio na última versão lançada pela Apple.
Desde então, passaram-se os anos, e tudo que a Apple fez foi lançar pequenos updates para atualizar o programa de modo a poder trabalhar com novos formatos de vídeo. Os usuários foram ficando impacientes e reclamavam da ausência de novos major upgrades, que, supunha-se, deveriam trazer uma versão em 64-bit Cocoa, otimizada para trabalhar com mais memória RAM e multiprocessamento, bem como com os novos Mac e as versões do Mac OS X mais recentes.
Mas a Apple estava realmente numa encruzilhada. O QuickTime, mesmo na versão X, parecia não comportar as melhorias que ainda se faziam necessárias, sobretudo para se integrar com o sistema operacional iOS do iPhone e dos novos dispositivos móveis da empresa.
De fato, um Final Cut Pro 8 precisaria ser completamente reescrito, o que levaria tempo e custaria muito caro. E o próprio QuickTime teria que dar lugar a uma outra arquitetura de software para lidar com arquivos e padrões multimídia. Então a Apple começou questionar se o melhor não seria recriar o programa do zero.
Richard Harrington, um conhecido instrutor de aplicativos de vídeo digital, anos mais tarde, afirmou que até chegou mesmo a haver um Final Cut Pro 8, mas que a Apple não se satisfez com o projeto e o jogou fora, sob a alegação que ele era evolucionário, e que era preciso lançar algo revolucionário, mais de acordo com a tradição da empresa. Ou seja, se tinham que fazer uma coisa totalmente refeita, que fosse algo radicalmente novo, inclusive conceitualmente.
Muitos boatos foram pipocando nas redes sociais de que uma nova versão do FCP estava sendo gestada, mas dizia-se que realmente tratava-se de um outro programa. Tanto que 40 pessoas da equipe de desenvolvimento do Final Cut Pro original foram demitidas em 2010, alimentando ainda mais o boato. Alguns dos demitidos chegaram mesmo a confirmar que o novo programa que estava sendo preparado não seria voltado para o mercado profissional.
O X é o problema
No começo de 2011, a ponta do iceberg começou a aparecer. A Apple reuniu alguns editores, articulistas, blogueiros e instrutores mais influentes e mostrou o projeto do que seria o novo Final Cut Pro. O instrutor Larry Jordan, impedido de dar mais detalhes, deixou escapar que o aplicativo seria “de cair o queixo”. E o mercado entrou em polvorosa. Todos queria saber o que viria por aí.
A apresentação do FCPX no evento paralelo da NAB 2011.
Num encontro de usuários por ocasião da NAB desse ano, dois meses depois, a empresa fez uma prévia do software, preparando o terreno para o seu lançamento. O choque foi geral. Nas redes sociais e fóruns, pelo que havia sido mostrado, dizia-se que o novo FCP parecia demais com o iMovie, e que tudo indicava que realmente seria um programa voltado para amadores.
Finalmente, em 21 junho de 2011, a Apple lançou o Final Cut Pro X por US$300, disponível para compra apenas pela App Store. Não houve nenhum evento, apenas um comunicado de imprensa e novas páginas no site da empresa. O Final Cut Studio estava descontinuado, deixou de ser comercializado, e os únicos programas que sobraram do pacote foram o Compressor e o Motion, que também foram atualizados e vendidos então a US$50 cada.
O FCPX de fato, era inteiramente diferente do FCP clássico. Se mostrava imensamente mais avançado em vários aspectos, incrivelmente rápido, e com muitos recursos inovadores. Tratava-se, enfim, de um aplicativo 64-bit, e era capaz de se aproveitar do que havia de mais novo de hardware e de software da Apple, inclusive o AV Foundation, projetado para substituir a o Quicktime como framework multimídia do Mac OS X (o QuickTime X permaneceria apenas um player de arquivos de multimídia).
Por outro lado, a primeira vista, haviam vários senões. Os projetos da antiga versão não abriam no novo aplicativo. Ele realmente estava baseado no mesmo projeto do iMovie e se assemelhava a ele, tanto que logo lhe deram o apelido jocoso de iMovie Pro. E o pior, muitos recursos importantes da versão clássica, simplesmente não estavam implementados no FCPX.
A apresentação do FCPX no evento paralelo da NAB 2011.
A reação da base de usuários foi tremenda. Enfurecidos, um numero imenso de editores rechaçou o programa sem sequer admitir a possibilidade de experimentá-lo. E os que experimentaram, abriam o programa, olhavam o que havia ali, e, revoltados, fechavam o aplicativo convencidos de que ele não prestava para trabalhos profissionais.
A impressão era de que a Apple tinha dado uma mancada colossal. Ficou claro que o FCPX não estava maduro na versão 1.0, parecia mais uma versão beta, e toda a estratégia de lançamento dava pinta de ter sido amplamente desastrosa. No fim das contas acabou virando motivo de piada.
As pessoas diziam que iriam migrar para concorrentes como o Adobe Premiere Pro e o Avid Media Composer, cujas empresas desenvolvedoras logo aproveitaram para oferecer promoções irresistíveis para quem resolvesse trocar o FCP clássico pelos seus produtos.
Só se falava que a Apple tinha resolvido abandonar o mercado de soluções profissionais para profissionais criativos, e que ela agora iria se concentrar nos mercados muito mais lucrativos de smartphones e dispositivos móveis. A não renovação da linha do Mac Pro com modelos compatíveis com recursos mais modernos, segundo esses, reforçava a tese. Dizia-se que os próximos aplicativos a serem derrubado seria o Logic Pro e o Aperture.
Mas a Apple negava tudo isso. Os chefões da empresa reafirmavam o compromisso com o mercado profissional de vídeo digital, dizendo que o programa evoluiria rapidamente. Randy Ubillos, que havia criado o projeto do Adobe Premiere em 1991, o Final Cut Pro clássico, o iMovie e o FCPX, dizia que não se tratava do final de algo, e sim um recomeço.
Steve Jobs, por sua vez, não se manifestou oficialmente. O câncer no pâncreas, a essa altura, em estado avançado, o impedia de continuar a frente de suas funções. Meses depois, viria a falecer, sem dar uma palavra oficial sobre o assunto. Circulava uma suposta frase dele dizendo que novo Final Cut era um excelente produto.
Considerando que nada vingava na Apple sem pelo crivo exigente de Jobs, possivelmente, o FCPX teria sido uma de suas últimas cartadas. Falava-se que foi ele quem decidiu transformar o projeto do programa, que inicialmente seria uma espécie de intermediário entre o iMovie e o Final Cut Pro original, no programa que substituiu o iMovie das primeiras versões. Então, pode muito bem ter sido ele quem definiu que esse mesmo projeto seria o sucessor do FCP7.
A Apple resolve correr atrás do prejuízo
Depois de reafirmar oficialmente o compromisso com o mercado profissional de vídeo digital e garantir que o FCPX fora projetado para aplicações profissionais, a Apple resolveu mostrar na prática que estava trabalhando firmemente nessa direção.
Nos dois primeiros anos, o que se viu foram updates sucessivos com intervalos curtíssimos de cerca de 3 meses, repondo inúmeras funções no programa, com destaque para o recurso de edição multicâmera, que saiu logo no início de 2012, na versão 10.0.3.
A interface do FCPX 10.0.3, que trouxe os recursos de edição multicamera para o programa.
Para acalmar ainda mais os pessimistas, Tim Cook, sucessor de Steve Jobs como CEO da Apple, em junho de 2012, afirmou que a empresa estava trabalhando em modelo inteiramente novo do Mac Pro.
Entusiasmados pelas características inovadoras do FCPX, sua rapidez e com o estilo fluente e intuitivo de editar, muitas empresas acreditaram no potencial do programa, e se puseram a desenvolver um enorme ecossistema de plugins e soluções para faze-lo conversar com o FCP clássico e com o Pro Tools. A Blackmagic, agora desenvolvedora do DaVinci Resolve, para color grading, abraçou o FCPX e garantiu a compatibilidade entre ambos desde o começo.
Com todo esse desenvolvimento, as resistências iniciais quase unânimes, pouco a pouco, foram sendo vencidas e FCPX, gradativamente, foi tornando-se mais popular. Mesmo editores de nichos mais profissionais de várias partes do mundo, depois de experimentar o programa de modo menos defendido, perceberam suas qualidades, e o adotaram em muitos de seus trabalhos mais nobres.
O renascimento do MacPro e a redenção do FCPX
2013 foi o ano de redenção para os profissionais de vídeo digital que resolveram apostar que a plataforma Apple reverteria os presságios negativos de dois anos atrás.
A nova interface de comunicação de dados digital Thunderbolt, desenvolvida pela Intel e lançadas nas novas máquinas da Apple em 2011, havia operado o milagre de trazer a velocidade de transferência de dados de 10Gb/s para a linha MacBook e iMac sem necessidade de nenhum hardware adicional. Pois bem, em junho de 2013 a tecnologia recebeu uma nova especificação chamada de Thunderbolt 2, que simplesmente dobrava essa capacidade para 20Gb/s, sem sequer trocar de conector.
Nesse mesmo mês, durante a WWDC 2013, finalmente a Apple anunciou o novo MacPro, para lançamento no fim do ano. Novamente, a empresa surpreendeu a todos, como de hábito. A máquina, com um gabinete na forma de um pequeno cilindro, não se parecia com nada visto antes.
Apresentação do novo Mac Pro em evento da Apple na WWDC 2013.
O modelo topo de linha, munido de processadores Intel Xeon E5 em configurações de até 12 núcleos, com duas GPUs ultra rápidas AMD FirePro, armazenamento em memória flash baseado em PCIe, memória de quatro canais ECC DDR3, 6 portas Thunderbolt 2 e quatro portas USB 3.o, uma porta HDMI 1.4, prometia ser algo assustadoramente potente.
Claro que os pessimistas de plantão torceram o nariz reclamando que as GPUs eram compatíveis com Open CL e não com a tecnologia CUDA, exclusividade da NVIDIA, e muito usada para turbinar o processamento de efeitos e outros recursos de programas como o DaVinci Resolve, After Effects e Premiere Pro. Também reclamaram que a ausência de slots PCI no desing compacto da máquina limitaria a expansibilidade das aplicações que requeressem alta-performance, por exemplo, com o uso de GPUs adicionais.
Em outubro, a Apple lançou o Mac OS X Mavericks, a partir de então absolutamente gratuito. E em dezembro, viram os presentes de Natal que todos esperavam. Os Mac Pro novos foram disponibilizados para compra e, junto com eles, saiu o Final Cut Pro 10.1, o primeiro major upgrade do programa.
Com essa versão, o FCPX alcançava a sua maturidade. A Apple corrigiu os rumos do aplicativo numa reinvenção da sua estrutura interna, adotando o conceito de bibliotecas, que permitiria avanços consideráveis na direção de fluxos de trabalho em ambientes colaborativos, um dos últimos flancos do aplicativo.
Imediatamente começaram a surgir notícias de que o FCPX estaria sendo adotado para a pós-produção de um projeto de longa-metragem de alto orçamento em Hollywood. Era a deixa que faltava para convencer uma nova leva de que o programa merecia um reconsideração de julgamentos.
O programa estava mais rápido do que nunca. A edição em 4K, seja em ProRes, Sony XAVC ou REDCODE RAW, havia virado brincadeira de criança com o Mac Pro cilíndrico e o FCPX 10.1. Mesmo edições multicamera com até 16 streams nessa resolução não seriam mais problema. A monitoração em 4K verdadeiro também estava garantida. Timelines de projetos longos não assustavam mais. Os embaraços de gerenciamento de mídia, com o novo modelo de bibliotecas, haviam chegado ao fim.
Agora vamos aos números da Apple. Em meados de 2012, baseado em dados do SCRI, instituto americano de pesquisa sobre o mercado broadcast e produção de vídeo profissional, o Final Cut Pro X já possuia mais usuários do que o FCP7. Em abril de 2014, a empresa anunciou que já havia vendido mais de um milhão de licenças de instalação do FCPX.
Se lembrarmos que o Final Cut Pro clássico levou mais de dez anos para chegar à marca de 2 milhões de usuários, há que se admitir que o Final Cut Pro X tornou-se, apesar de todas as circunstâncias adversas do seu lançamento, um sucesso inquestionável.
A volta da confiança
2014 começa com o aniversário de 30 anos do Macintosh, comemorado com páginas especiais no site da Apple e muitas lembranças de Steve Jobs. Os updates do FCPX estão um pouco mais espaçados mas continuam chegando. Só esse ano já houve três. O mais recente avançou ainda mais nos ganhos em gerenciamento de mídia promovido pela nova estrutura de bibliotecas.
A versão 10.1 criou uma percepção de que ele está realmente pronto para o uso profissional em praticamente todos os fluxos de trabalho. É verdade que ainda restam demandas dos usuários, como na parte de áudio e uma evolução maior nas soluções para ambientes de trabalho colaborativo.
Mas aquele clima de rejeição passou. Quase ninguém mais se refere ao FCPX de maneira desrespeitosa, desdenhando dele. A conversa entre os colegas agora é bem diferente. Ao contrário de antes, os editores se mostram abertamente interessados em conhecer o aplicativo de perto, experimentar, aprender a usar.
As propostas de trabalho que exigem o domínio do FCPX já estão aparecendo nas redes sociais. Pessoalmente, sei de faculdades que estão decididas a adotá-lo, de produtoras que resolveram migrar para ele, e de campanhas políticas que montaram toda a sua estrutura de pós-produção em cima dele.
O Mac Pro é um sucesso de vendas, e os seus compradores estão satisfeitos com o investimento. O FCPX encontrou a sua máquina ideal. E ainda roda bem nos modelos dos MacBook Pro Retina Display e nos iMac, sobretudo, nos modelos topo de linha.
Arri Alexa, a camera de cinema digital mais prestigiada dos últimos tempos.
O codec ProRes virou um padrão de fato na indústria, estrapolando os limites da pós-produção. Hoje, ele é utilizado como padrão de compressão preferencial para captação das câmeras Arri, as mais utilizadas nas grandes produções de cinema, e também nas novas e fantásticas câmeras da Blackmagic Design, e também na nova câmera da Aja. Todos os festivais de cinema os aceitam como formato de entrega, somando-se ou mesmo rivalizando com o padrão DCP para exibição de cinema digital.
O ProRes, inclusive, acaba de ganhar mais uma variação, o ProRes 4444 XQ,que a Arri já acolheu para ser utilizado nativamente na sua linha de câmeras. Ele foi projetado para filmagens que exigem altíssima qualidade, por exemplo, quando o material prevê tratamento com efeitos visuais de composição de imagem em movimento muito sofisticados.
Praticamente todos os programas mais importantes de vídeo digital contam com versões para Mac. Quase nenhuma produtora ou profissional continua cogitando de trocar suas máquinas para a plataforma Windows PC.
Até mesmo aqueles que se sentem desconfortáveis com as opções de hardware da Apple, não largam a plataforma e o sistema operacional. Não há dados que comprovem, mas quem é do meio sabe que é relativamente comum o uso de sistemas alternativos montados pelos usuários de maneira artesanal rodando o Mac OS X, os chamados Hackintosh.
Material informativo de apresentação da interface Thunderbolt 2.
Os dispositivos Thunderbolt se multiplicam cada vez mais, com modelos compatíveis com as duas especificações, a original e a mais recente, lançada em 2013. Existem sistemas de armazenamento em disco e memória de estado sólido, conversores, adaptadores para monitoração, switchers de rede compatíveis com fibra ótica e muito mais.
O novo sistema Yosemite avançou muito na arquitetura de software AVFoundation, que substituiu o QuickTime nessa função de suporte para dados e programas multimídia no Mac OS X. Pelas mudanças, já dá para perceber que o FCPX poderá finalmente dar um salto na direção de um mixer de áudio, e que ele também aceitará clipes de referencia.
E o mais incrível é que, mesmo com o Yosemite, o Final Cut Pro clássico continua rodando perfeitamente, favorecendo os muitos editores profissionais que continuam utilizando o Final Cut Pro 7, especialmente no Brasil.
Sem mais nuvens negras no horizonte
O jogo se reequilibrou. Segundo o relatórios de 2013 do SCRI, juntando as maquinas que rodam o FCP7 e o FCPX, atualmente, a Apple aparece dominando 83,1% de todo o mercado de edição de vídeo profissional.
Até o Logic Pro agora também é X. O upgrade ocorreu no ano passado e dessa vez ninguém reclamou, porque a Apple fez tudo direitinho.
Não há mais aquela sombra de dúvida sobre o compromisso da Apple com o mercado de profissionais criativos, ao menos na área de vídeo digital e finalização de áudio e música. É verdade que o Aperture está com os dias contados, mas ele nunca foi uma aposta firme da Apple.
Disso tudo, podemos concluir que a Apple está consciente de que aplicativos profissionais Logic Pro X e Final Cut Pro X induzem e ancoram uma parte importante do mercado na plataforma Mac. Podem não render tanto hoje quanto os gadgets do mercado de dispositivos móveis, mas, integrado aos computadores e ao Mac OS X, continuam sendo um bom negócio.
Eles têm uma força simbólica para a empresa e a plataforma Mac. Afinal, foi de mãos dadas com o vídeo digital que, de certa maneira, Steve Jobs recuperou o prestigio dos computadores da Apple em 1997 e abriu espaço para todos os produtos inovadores que vieram depois.
O Final Cut Pro X representa, portanto, uma parte importante do DNA da Apple, que vem desse encontro entre ciência e arte. E os produtos para o mercado de soluções profissionais para artistas do vídeo digital, ao que tudo indica, têm tudo para continuar vivos por muito tempo.
(Artigo foi escrito para a edição especial de número 100 da revista Macmais, que acaba de chegar nas bancas. Publicado no blog VideoGuru em 14 de novembro de 2014)