Embora o motion graphics seja considerado como uma área de criação recente, ligada às novas tecnologias de computação gráfica e vídeo digital, suas raízes remontam a produções que vêm de muito antes dos tempos atuais. Dá até para falar em uma espécie de genealogia do motion graphics a partir de duas grandes vertentes:
• Experiências plásticas de alguns tipos de filmes de animação e cinema experimental a partir do começo do século XX;
• Aplicações de design gráfico do cinema e na TV, dos anos 1950 em diante.
Nesse post, vamos explorar essa primeira vertente genealógica, de filmes de animação e cinema experimental.
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O início do Séc. XX foi um tempo de grandes revoluções. Afinal, era o século das máquinas estava nascendo. E do encontro da máquina com a arte, nasceu o cinema, com uma nova linguagem que resultava de uma mistura de todas as outras linguagens. Nesse sentido, pode-se dizer que o cinema foi o primeiro grande marco, a ponta de lança de uma espécie de cultura da convergência, que viria a se firmar depois.
É nesse contexto do nascimento do cinema que aparecem as primeiras experiências audiovisuais de precursores do motion graphics. Boa parte deles tinha formação de artes plásticas, e buscava criar um tipo de música visual, propondo algo como uma coreografia de elementos gráficos abstratos. A música, a mãe das linguagens do tempo, foi a chave perfeita para esses artistas poderem encontrar sua nova maneira de se expressar.
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Fernand Leger (1881-1955)
Foram os artistas modernistas que primeiro apresentaram propostas de animação que se aproximam da noção projetual híbrida do motion graphics. Um dos trabalhos mais conhecidos dessa fase pioneira é “Ballet Mechanic” (1923), realizado por Fernand Leger, ligado ao movimento clubista.
O filme constitui-se de uma edição frenética de imagens filmadas. Algumas delas são tratadas quase como fotografias de elementos recortados em fundo neutro, enquanto outras são refratadas por prismas em múltiplas visões. Há ainda o registro de objetos gráficos, tipografia, dígitos, e inclusive a figura de uma espécie de boneco cubista com membros reunidos numa colagem e animados com técnica de stop motion, num resultado parecido com o que se faz modernamente no motion graphics.
Man Ray (1890-197)
O artista americano Man Ray produziu filmes surrealistas que chamava “invenções de formas luminosas e movimentos”. Em “Anemic Cinema” (1925-26), feito em colaboração com Marcel Duchamp, há alternação de planos mostrando discos ora com espirais ora com textos em movimentos giratórios, produzidos com uma máquina especialmente criada para esse fim.
No filme “L’Étoile de Mer” (1928), baseado num poema de Robert Desnos, em meio ao texto poético e a uma estranha narrativa, em certo momento vemos um exercício de composição com a tela dividida em doze áreas com imagens em movimento distintas.
Viking Eggeling (1880-1925)
Simpatizante do movimento Dada, o músico e pintor sueco Viking Eggeling criou o filme “Simphonie Diagonale” (1923), que explora a cor- relação de música com formas e movimentos de figuras abstratas. As formas constituídas de linhas retas e curvas variando a orientação e a espessura, são animadas de modo que as vemos de várias maneiras, aumentando e diminuindo de tamanho, tornando-se opacas, com os traços se desenhando ou sendo gradativamente apagados. Esses procedimentos são típicos e muito utilizados nos trabalhos atuais de motion graphics.
Hans Richter (1888-1976)
Hans Richter, alemão vinculado ao dadaísmo e ligado a Eggeling, se dedicou ao estudo das propriedades cinéticas da forma em desenhos deslizantes e depois em filmes de animação. Boa parte deles foi realizada a partir de formas geométri- cas abstratas simples contra fundos neutros e permutações de formas positivas e negativas. Ele dizia fazer uma “orquestração do movimento e do tempo” para criar “composições cinéticas de formas plásticas puras”.
Ficaram conhecidos filmes seus, tais como “Rhythm 21” (1921), “Rhythm 23” (1923), com animações de quadrados e retângulos, e “Filmstudie” (1925), com mais elementos visuais, de forte influência dadaísta. No filme “Ghosts Before Breakfast” (1927), intercalados com ou- tras cenas surreais, suscedem-se planos de chapéus voado- res; um homem puxa um revolver e vê-se a fotografia recorta- da de um homem em close combinada com um alvo de tiro, e subitamente sua cabeça se descola para girar acima do corpo.
Walter Ruttman (1887-1941)
Buscando incorporar o movimento ao seu trabalho como pintor, o alemão Walter Ruttman fundou sua própria companhia e produziu uma série de filmes denominada Opus, testando as possibilidades de interação de formas geométricas. Em “Opus 1” (1919-21), por exemplo, animações de formas curvas flui- das, quadradas e pontiagudas, filmadas em preto-e-branco e depois pintadas à mão, hora se alternam e hora se relacionam no quadro.
Len Lye (1901-1980)
O neo-zelandês Len Lye é outro expoente do cinema de animação experimental importante como referência para o motion graphics. Seu primeiro filme, “Tusalava” (1929), foi inspirado na arte indígiena da Austrália. Trata-se de uma animação pintada a mão e filmada quadro a quadro, que sugere um universo orgânico, que Lye definia como “um cruzamento entre uma aranha e um polvo com sangue circulando através de seus tentáculos” (Krasner, 2004, p. 21).
Mais tarde, desenvolveu técnicas manuais de interferência direta na película cinematográfica que permitiram, por exemplo, combinações multi-camadas de registros de cenas reais, por vezes em silhuetas ou em alto contraste, com padrões dinâmicos de elementos gráficos, textos e objetos variados, inclusive com cor. Na Inglaterra, entre outros filmes consagrados, produziu as animações “Colour Box” (1935) , “Rainbow Dance” (1936), “Trade Tatoo” (1937), “Colour Flight” (1938), e “Swinging the Lambeth Walk” (1939).
Oskar Fischinger (1900-1967)
Outros artistas dessa época exploravam bastante a relação entre imagem e música, sobretudo através de correspondências rítmicas e as- sociações de formas abstratas e cores a timbres, alturas e instrumentos musicais. É o caso de Oskar Fischinger, alemão que imigrou para os EUA nos anos 30, e produziu várias estudos e animações abstratas com a proposta de fazer uma “musica visual”.
Fischinger foi, inclusive, contratado por Walt Disney para participar do filme “Fantasia” (1940), na seqüência feita a partir da música “Tocata e Fuga em D Menor”, de J. S. Bach, embora não tenha permanecido na equipe até o final por se recusar a colaborar com a simplificação e alteração do seu trabalho numa direção mais representacional. Muitos o colocam entre os maiores mestres do cinema de animação de todos os tempos.
Norman MacLaren (1914-1987)
Norman MacLaren, nascido no Canadá e o maior expoente do importante instituto “National Film Board”, é descrito como o poeta da animação. Foi influenciado por Oskar Fischinger, e experimentou soluções muito parecidas com as de Len Lye, com diversos trabalhos baseados em interferências na película de cinema, e muitas outras técnicas.
Maclaren produziu inúmeros filmes a partir de elementos abstratos que utilizam abordagens análogas às usadas comumente em motion graphics. É o caso, por exemplo, de três filmes dos anos 60 interligados por uma proposta minimalista: “Mosaic”, feito apenas de pontos se movendo no quadro, e “Lines Vertical” e “Lines Horizontal”, que contam apenas com linhas retas.
Harry Everett Smith (1923-1991)
Com trabalhos em diversas áreas como etnomusicologia, antropologia, artes plásticas, Harry Everett Smith foi outro artista a desenvolver filmes experimentais sob a influência de Oskar Fishinger e outros pioneiros. Seus temas iam do misticismo ao surrealismo. Nos anos 1940 e e início dos 50, criou vários filmes de animação baseados no estudo das correspondências entre cor, som e movimento, usando principalmente formas abstratas, recorrendo a laboriosas técnicas de pintura sobre o negativo. Posteriormente, se concentrou em técnicas de cola- gens de fotografias e ilustrações em stop motion. Seus filmes eram chamados por numeração simples, tais como “Film No. 1” etc., eventualmente acompanhada por um sub-título.
John Whitney (1917-1995)
Numa outra vertente dos filmes de animação importantes como referência histórica do motion graphics, situam-se os pioneiros da animação por computador. Um dos mais importantes foi o americano John Whitney, considerado um dos pais da computação gráfica. Começou a trabalhar com seu irmão James a partir dos anos 40. Utilizou suas técnicas iniciais de animação mecânica na abertura do filme “Vertigo”, de Alfred Hitchcock, em parceria com o designer Saul Bass.
Tudo indica que Whitney foi o primeiro a utilizar o termo “motion graphics” ao fundar sua empresa Motion Graphics Inc. em 1960. Em 1961, fez o filme “Catalog”, usando um computador analógico mecânico inventado por ele para produzir aberturas de cinema e TV e comerciais. O filme, certamente influenciado pelo trabalho dos animadores de filmes experimentais citados acima, constitui-se de uma compilação de animações de formas abstratas acompanhadas de música. Nos anos 70, Whitney adotou processos digitais e produziu um outro importante filme, “Arabesque” (1975).
Stan Vanderbeek (1927-1984)
Stan Vanderbeek, cineasta underground americano muito atuante nos anos 60-70, possui uma obra especialmente significativa para o motion graphics. Seus primeiros filmes, produzidos entre 1955 e 1965, são quase que totalmente apoiados em técnicas de colagem animada, envolvendo principalmente figuras recortadas de fotografias, como em “A La Mode” (1958), “Science Friction” (1959), e “Achooo Mr. Kerrooschev” (1960). Em seguida, passou a incorporar elementos de computação gráfica em seus filmes, a exemplo da série “Poem Field” (1966-67) e Symmetricks (1972).
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Temos muito a aprender com o trabalho desses precursores. Mais do que caminhos e linhas de desenvolvimento, que continuam vigorosos, com muita coisa para se descobrir e experimentar, eles deixam de herança uma maneira de pensar a sua arte. Eles ensinam, sobretudo, que o motion graphics é uma forma de narrativa visual que, mesmo quando não é acompanhadas de música, deve se mostrar repleta de musicalidade e ritmo. Sem esses fundamentos, está fadada a fracassar.
No próximo post dessa série, acompanhe trabalhos de outros precursores do motion graphics, dentro da vertente de aplicações de design gráfico para cinema e TV.
(post publicado originalmente no blog VideoGuru em 11 de novembro de 2013)
Bibliografia: Krasner, Jon – “Motion Graphic Design and Fine Art Animation: Principles and Practice”, Focal Press – 2004